Grupo de amigos se reúne semanalmente em Igreja no Jardim Aquários para preparar sopa que é distribuída à moradores em situação de rua
Em encontros semanais localizados em uma Igreja no Jardim Aquários, em Palhoça, voluntários de diferentes crenças, cidades e famílias se reúnem com um só objetivo: promover o bem. Toda quarta-feira, por volta das 18h00, Luciano, dona Salete e companhia se encontram em um espaço da Igreja para fazer uma deliciosa sopa que é distribuída para pessoas em situação de rua em bairros de Palhoça e São José.
O projeto, que não tem um nome oficial, mas pode ser chamado de “Sopa Solidária”, teve início há cerca de dois anos. A maioria dos voluntários é frequentador da Igreja Soldados de Jesus, e foi nela que a ideia surgiu. Há cerca de dois meses, Luciano, de 45 anos, conversou com outros membros da casa e resolveu retomar o projeto, que estava parado há algum tempo.
Diferentemente do que muitas pessoas podem pensar, a equipe prefere que o projeto não seja associado ao nome da instituição, e sim que seja reconhecido pelo valor da atividade desenvolvida, além de chamar a atenção para aqueles que são beneficiados por ela.
O funcionamento da Sopa Solidária depende de uma série de fatores e pessoas que participam do projeto. A culinária, por exemplo, é encargo de Dona Salete, que faz questão de ressaltar que prepara a janta como se fosse para os próprios filhos.
“Eu faço todo o processo com muito amor e vontade. É como se eu estivesse cozinhando em casa. A gente mantém um padrão de excelência e todos costumam dar uma provada na sopa antes de sair para a distribuição para aprovarmos a qualidade dela”.
Entre cenouras, batatas, frango e outros ingredientes, ela demonstra amor e felicidade por desempenhar uma ação que vai beneficiar outras pessoas em condições mais difíceis.
A doação de alimentos fica por conta de duas empresas parceiras. A padaria Girassol, localizada no bairro Caminho Novo, doa cerca de 50 pães por semana para acompanhar a sopa, que é entregue em grandes copos plásticos. A verdureira Hoffmann, que fica bem em frente à Igreja, ajuda com a doação das verduras utilizadas no processo. Isabela Hoffmann, de 18 anos, que é filha dos proprietários da verdureira, também participa do projeto auxiliando na produção da sopa e na sua distribuição.
Há também vezes em que os voluntários precisam tirar dinheiro do próprio bolso, como na compra do gás, dos copos e da gasolina para transporte. Isso tudo é realizado de forma natural e sem maiores discussões, como afirmou Luciano. Cada semana alguém ajuda com o que pode e como pode, mantendo assim o projeto de pé.
No dia 14 de Agosto, visitei a sede da Igreja e acompanhei todo o processo de produção da Sopa. Conversei com os voluntários presentes no dia e todos eles reforçam a ideia de enxergar no próximo um ser humano como qualquer outro, independentemente de crença, cor ou opção sexual. Sendo assim, é aceita qualquer ajuda vinda de qualquer pessoa ou estabelecimento. Segundo Mario, voluntário do projeto e de outras inúmeras ações sociais, o que mais importa é entregar um pouco de esperança para as pessoas nessas situações sem que haja julgamento.
Quando perguntei se havia intenção de atrair o pessoal de rua para a Igreja, todos foram uniformes ao responder que não. Às vezes, alguns moradores pedem para que os membros rezem com eles. Outras vezes, “só” agradecem. Entre indas e vindas, alguns acabam contando suas histórias de vida, e aí sim, se algum deles dizer que está precisando de ajuda, é tocado no assunto da Instituição Religiosa.
Durante a conversa, e enquanto a sopa era produzida, tive uma grande conversa com Mário, um dos idealizadores do projeto Miacc Floripa, Movimento de Integração Artístico Cultural Cristão, e de outros projetos sociais. Através da arte, ele ajuda a levar esperança para pessoas de todas as idades e de vários locais do país. Aulas de dança, de música e de outras artes fazem parte desses projetos que hoje, atingem pessoas até da Colômbia e da Argentina, como afirmou Mário.
Após muito papo e um cheiro de dar água na boca, chegou a hora mais esperada. Por volta das 20h30 a sopa estava pronta para ser transportada, confortadas em caixas térmicas, para manter a temperatura do alimento. Além da sopa e do pão, os carros que saem para as ruas também levam roupas que foram recebidas através de doações. Essa parte da campanha é intensificada ainda mais devido à estarmos no inverno.
Chegado a hora da saída, resolvi oferecer minha ajuda, já que só havia um carro para transporte no dia. Sendo assim, saímos em dois carros para cobrir regiões diferentes de Palhoça e São José. O primeiro carro, onde foram Luciano e Mário, passaria por bairros como Pagani, Caminho Novo e ainda teve tempo e material para chegar até o Kobrasol. Já no carro em que eu estava, passamos pelo Centro da Palhoça e Ponte do Imaruím, onde a concentração de pessoas em situação de rua é muito grande.
A instrução é muito simples. Andar em velocidade reduzida e parar em qualquer lugar que tenha alguém precisando da ajuda, seja do alimento, da roupa ou até mesmo de uma conversa.
Durante a viagem, muitas histórias de homens e mulheres de diferentes lugares do país. Um artista do Rio de Janeiro que anda pelo país à pé. Um Senhor que foi motorista da Marinha e infelizmente perdeu algumas coisas em um assalto aqui e não consegue voltar pra casa. Mas, Dentre todos que conversamos, o que mais me chamou a atenção foi uma mulher muito bem humorada que fica próxima a Estação da Palhoça. Ela nos recebeu com extrema felicidade, nos mostrando com orgulho a pequena horta que cultiva onde mora e alertando várias vezes que, apesar da situação difícil, não gostava de “porquice” e que mantinha seu cantinho sempre limpo e arrumado, como fez questão de mostrar.
“Tem um dos moradores aqui que é muito porco, sabe? Olha a diferença do cantinho dele pro meu. Aqui tá sempre tudo arrumadinho, eu não gosto de bagunça não. Meu cantinho é simples mas é arrumado. E tem outra, eu preciso que ele esteja arrumado pra quando meu amor vir me ver né?” – Exclamou rindo.
Segundo ela, a referida amada estava perto dali, e que elas já estavam juntas há alguns anos. Ela inclusive nos pediu mais algumas sopas para deixar com outros moradores que apareciam pelo local mais tarde, além de nos indicar onde sua amada costumava ficar para entregarmos algo também para ela. Após isso, partimos.
Seguindo noite adentro, encontramos perto dali o caso de amor da nossa colega. A entrega então continuou e foi tranquila por toda noite. A sensação ao fim é de dever cumprido e de que todo esforço dos voluntários vale muito a pena. Fomos bem recebidos e extremamente agradecidos em todas as entregas. Sorrisos no rosto se multiplicaram e a impressão de que eu iria encontrar cenas triste antes da saída foi totalmente equivocada. O que me esperava eram pessoas que, apesar da situação difícil, eram ricas de fé, de alegria e que em momento algum perderam a esperança de vencer seus demônios particulares.
Giovane Macedo Lourenço