O importante trabalho social com crianças e gestantes concretizado através do voluntariado
O Brasil apresenta indicadores sociais que revelam uma realidade muito difícil para uma grande parcela de crianças e jovens da população. De acordo com dados feitos em 2017 e divulgados em dezembro de 2018 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 12,5% da população de 0 a 14 anos vivem na extrema pobreza e 43,4% na pobreza. Em números absolutos, isso representa 5,2 milhões de brasileiros de 0 a 14 anos na extrema pobreza e 18,2 milhões na pobreza. São pessoas que não tem acesso a condições básicas como saúde, alimentação, educação, saneamento e segurança para garantirem a sua sobrevivência com qualidade de vida e dignidade.
A comunidade do Frei Damião e Brejaru, em Palhoça, vivenciam essa situação no cotidiano, as dificuldades vão desde ruas esburacadas que não são asfaltadas, esgoto a céu aberto, falta de um posto policial, até as dificuldades econômicas das famílias que além de viverem no bairro que apresenta uma escassez de estrutura, sofrem com a falta de ter o que comer em casa. Direitos simples garantidos pela Constituição, na prática pertencem a uma realidade muito distante. Entretanto, existe também aqueles que se sensibilizam com isso, através de organizações que buscam trazer dignidade a essas pessoas, como é caso da Pastoral da Criança.
Liliane Ramos é uma das líderes voluntárias, participante a três anos. Todo segundo sábado do mês, ela ajuda na Celebração da Vida – uma das ações da Pastoral. Ao acordar, concentra-se em um profundo momento de oração. O gesto tem o intuito de pedir a Deus que as horas seguintes consigam fortalecer o sentimento de família e comunidade para aqueles que ajudam e também para os que são ajudados.
A preparação para a Celebração da Vida inicia-se na semana após o último encontro. ‘’Fazemos uma avaliação e programação das atividades para o mês seguinte. Tentamos buscar parcerias para arrecadação de alimentos, roupas, brinquedos, avaliar as necessidades e dificuldades das famílias, ouvir o relato das líderes sobre as visitas, entre outros assuntos”. Liliane é responsável pela inclusão dos cadastros no sistema nacional. Ao longo das semanas até o encontro seguinte ela vai incluindo um a um e organizando a planilha de controle.
No dia da Celebração, após acordar e ter feito sua oração, a líder voluntária toma o café da manhã, em seguida começa a colocar todo o material necessário dentro do carro. ‘’Coloco desde folhas de cadastros, formulários, até a parte de alimentação que é servida para eles, também organizo as caronas’’, descreve.
Liliane saí da Ponte do Imaruim. No caminho pega os pães ou bolos encomendados na padaria e dirige até a Capela Nossa Senhora do Rosário, no Brejaru, onde a Celebração ocorre. Ao chegar, ela ajuda na organização do espaço, que é dividido em vários setores, um deles é a mesa do cadastro. ‘’Conferimos se a criança ou gestante já está cadastrada e se foi pesada e medida nos últimos três meses”. Caso não tenha sido pesada, Liliane entrega um papel com o nome e encaminha para a área de pesagem. Se a criança ou gestante não está cadastrada, realiza o cadastro e repassa todas as orientações de como funciona a Pastoral da Criança.
Lucielli Moretti é outra voluntária que ajuda na parte dos cadastros. O que Lucielli anota na folha não são somente dados, mas também o relato de uma vida que minutos antes de pronunciar seu nome, a voluntária nem conhecia. Entretanto, acredita que, por estar ali ajudando, pode conhecer e contribuir minimamente para que a mãe e a criança tenham a chance de uma vida digna. ‘’Ver mais de perto essa realidade das famílias da nossa comunidade é um tanto impactante. A pouca qualidade de vida que essas pessoas têm, pois muitas vivem em condições precárias, em casas com falta de saneamento e até banheiro, a falta de alimento e a alta taxa de filhos por família é o que mais nos chama atenção. Isso nos faz pensar no que podemos fazer para mudar e melhorar essa situação’’, relata Lucielli.
Enquanto a jovem ajuda na mesa de cadastros, outros setores também contribuem no acolhimento das famílias. Na área de pesagem e medição, as crianças de até seis anos de idade são pesadas e medidas. Após o resultado e o preenchimento da avaliação nutricional, às mães recebem cartelas que orientam se o filho está com o peso e altura ideais. Há também a roda de conversa, onde as famílias escutam atentamente mais orientações que são passadas. Entretanto, estes não são os espaços favoritos das crianças. O lápis de cor e a corda de pular parecem atrativos mais interessantes para os olhares que brilham ao enxergar a área destinada às brincadeiras. Os participantes da Pastoral Jovem divertem as crianças com brincadeiras como pular corda, roda, pintura e desenho, tirando o sorriso de quem merece sorrir sempre.

Atos simples como esse de proporcionar o bem ao próximo, serviram de incentivo para que Lucas dos Santos Barsch também ser tornasse um voluntário na Pastoral da Criança. ‘’Eu sempre tive muito bloqueio com ações sociais por ser tímido e me toquei que não poderia viver o Evangelho sem colocá-lo em prática. Ver o sofrimento daquelas famílias dói muito, mas ao mesmo tempo ver as crianças sorrindo é algo que me lembra que elas precisam desse contato, dessa atenção e carinho’’, conta Lucas.
Em meio a tantas orientações e brincadeiras, o café é servido. Com a ajuda de parcerias, a Pastoral consegue elaborar um café reforçado e agradável para as famílias. A alegria da refeição é transformada em agradecimento quando chega o momento da oração. Um ponto forte da celebração onde todos se unem com o objetivo de agradecer pela vida de todas as crianças, gestantes e famílias.
A Pastoral da Criança é um organismo de ação social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Foi fundada em 1983, na cidade de Florestópolis, Paraná, Pela médica sanitarista e pediatra, Zilda Arns Neumann e por Dom Geraldo Majella Agnelo. Promove ações que visam ajudar no desenvolvimento da criança, acompanhando desde a gestão da mãe até os primeiros anos da vida do filho. A entidade já foi indicada ao prêmio Nobel da Paz cinco vezes, sendo respectivamente em 2001, 2002, 2003, 2005 e 2011.
Existe na Paróquia São Judas Tadeu e São João Batista, na Ponte do Imaruim, há mais de cinco anos e auxilia as comunidades do Frei Damião e Brejaru. Para Maria de Lourdes Ramos, coordenadora da Pastoral, todo o trabalho é feito com muito amor. “É dignificante, saber que você pode ajudar a quem precisa, doando um pouco do seu tempo, é uma missão escolhida por Deus. O amor constrói e é isso que nos fortalece no nosso dia a dia”, ressalta.
A Pastoral recebe ajuda de organizações como O Mesa Brasil SESC, rede nacional de bancos de alimentos contra a fome e o desperdício. Em uma sexta-feira do mês, o Mesa Brasil faz doações de frutas, verduras e outros itens para as famílias cadastradas. Entretanto, mesmo com ajuda, os desafios ainda são grandes. ‘’Os recursos são escassos. Não temos verba própria e nem pessoal voluntário suficiente para o trabalho. Contamos com doações e auxílio de pessoas com um bom coração’’, relata Liliane.
Ao final da Celebração da Vida, a criança que há segundos estava rindo e pulando corda, toma fôlego e vai na direção de sua mãe que a chamou, pois está indo embora. O mesmo fazem as outras crianças e gestantes que aos poucos caminham até o portão de saída da Capela Nossa Senhora do Rosário, carregando nas mãos, uma sacola de alimentos que foram distribuídos. Após o encerramento das atividades, Liliane faz o mesmo trajeto em direção ao portão de saída da Capela. ‘’Quem faz parte da equipe se emociona muitas vezes. É um trabalho fantástico, mesmo sabendo que fazemos muito pouco. Mas esse pouco é muito para algumas famílias que não tem o que comer em casa, muitas vezes. Faço aqui um convite a todos que se identificaram com esse projeto. Venha conhecer e fazer parte direta ou indiretamente’’, conclui a líder voluntária.

Nos meses de outubro e dezembro, a Pastoral da Criança promove respectivamente a festa das crianças e de Natal. Qualquer pessoa pode ser padrinho de uma criança e ajudar na doação de brinquedos para elas.
Kiara Silva