Uma crônica por Renata Bueno

Arara-vermelha e Arara-canindé. Com suas cores opostas convivem harmoniosamente. (Foto: Brasil Escola)
Faltam duas horas para o encerramento do primeiro turno das eleições de 2022 quando passo pelo último colégio eleitoral. Meu objetivo nestas eleições, além de ir votar, é observar as cores que circulam nas ruas, pois muito me chama a atenção que a bandeira nacional venha sendo usada como símbolo de propaganda partidária.
São três da tarde quando percorro as calçadas da rua Esteves Junior, no Centro de Florianópolis. É ali que noto os lacinhos verde e amarelo em crianças, a senhora que caminha ao lado de seu marido, combinando suas roupas e acessórios verde-amarelo. Naquela paisagem ufanista há muitas varandas de apartamentos próximos ao mar, que também estão em verde-amarelo. Há outros grupos de pessoas parados em frente à escola conversando, e é neste cenário que o inusitado acontece: uma jovem mulher caminha a passos firmes, vestindo-se inicialmente de uma cor que também pode ser vista como um símbolo partidário, mas que iria na contramão do que aquele local representa.
Obrigo-me a voltar à história, e lembro que as cores da bandeira nacional também foram usadas politicamente na campanha partidária de Collor, onde o slogan de campanha tinha os dois L de seu nome, em verde e amarelo. Com a enorme rejeição de seu governo, as cores da bandeira foram usadas novamente no início dos anos 90 por um grande movimento estudantil. Com os rostos pintados de verde, amarelo e preto, milhares de jovens tornaram-se os Caras-Pintadas.
Acontece que as cores afetam diretamente às decisões das pessoas. Além de carregar uma memória histórica sobre uma cor, no caso político-social, as cores também têm significados mais abrangentes. O verde da juventude, fertilidade, prosperidade está na bandeira representando as florestas brasileiras. O amarelo demonstra energia, concentração, otimismo, conforto, felicidade e na bandeira representa o ouro e as riquezas. Essas duas cores lado a lado, atualmente têm levantado afirmações e ruídos de comunicação.
Apesar de ideologias políticas que queiram se apropriar da bandeira, é importante lembrar que o símbolo nacional existe há muitos anos, no entanto me pergunto: será que isso vai passar? A Rua Esteves Júnior parece o local ideal para que eu possa compreender essa questão. Pessoas sobem e descem por ali a todo momento e um clima tranquilo pode ser percebido. Com seus trajes de Copa do Mundo, conversas e risadas preenchem o silêncio, até que aquela jovem mulher a qual mencionei, mesmo sem dizer uma palavra, transformou as risadas, conversas e a postura relaxada em silêncio e colunas eretas.
Ela usava vermelho, a cor da paixão, da fúria, do calor, do sangue e do amor. A cor usada pela antiga União Soviética, cor associada também ao Partido Comunista do Brasil e ao Partido dos Trabalhadores. E o vermelho, ah, o vermelho, como no filme “The Woman in Red”, onde a protagonista anda com tranquilidade em seu vestido todo vermelho, basta sua presença despretensiosa para entortar pescoços em sua direção. Da mesma forma aconteceu com a jovem da Rua Esteves Junior em seu vestido de gala todo rodado no corpo. Ela passa ali como uma Pomba Gira, uma mensageira entre o mundo dos orixás e a terra. Ninguém parece respirar, ninguém tenta conversar, todos que percebo entregam seus olhares e pensamentos àquela jovem, que subia as escadas para votar.
Ao decorrer dos dias as cores parecem ter dominado os meus pensamentos e só consigo notar o vermelho e as cores da bandeira por aí. Este assunto se intensificou na internet, o que me fez constatar que sim, as cores simbolizam um lado, provocam sentimentos bons e ruins, depende de quem a olha. No segundo turno prossigo errante pelas ruas, converso, questiono, ouço desabafos, como a da Dona Rosa Maria, uma senhora simpática que trajava sua blusa vermelha “Eu não sou petista não, também não sou bolsonarista, só quero andar em paz com a roupa que eu quiser”. Neste dia do segundo turno, a decisão da maioria se apresentou, o vermelho venceu e com a bandeira nas mãos, o Presidente escolhido declarou: “Esse verde-amarelo e essa bandeira pertencem ao povo brasileiro”. Com o fim das eleições, muitos protestos antidemocráticos dos verdes-amarelos ocuparam rodovias e ruas pelo país para contestar o resultado das urnas.
Depois de encerrar minha observação das cores na política, percebo que agora nos jogos da Copa do Mundo de futebol, existe um abalo dos torcedores da seleção brasileira. Muitas camisas azul royal, cor oficial da seleção além do amarelo, estão substituindo as clássicas verde-amarela, o que pode indicar que o ruído político ideológico ainda está presente, e o torcedor não quer ser confundido.
Entretanto, independente de ideologias, antes dos seres humanos, as cores já estavam em meio a natureza. Num país tropical, com a maior floresta do mundo, cores vivas, infinitas e em todas as formas fazem parte deste ecossistema. Fala-se sempre sobre liberdade e isso a natureza faz, ela se expressa livremente. As araras por exemplo, possuem coloração vistosa, sendo algumas vermelhas, outras azuis ou verde e amarela. Na evolução das araras elas entenderam que as cores são elementos de atração e por isso vivem harmoniosamente. Seguindo este pensamento, cabe a nós com respeito e diálogo, evoluir também.
Um símbolo não é nada sozinho, quem concede poder a eles é o povo. Num ano em meio a atos e manifestações, está implícito um certo descontentamento com símbolos e cores, sob a afirmação de “não ser representado”. A ideologia colocada em cima do vermelho versus verde-amarelo, tenta apagar da história a estrela vermelha que era orgulhosamente representada na bandeira do Brasil, de 1889. Essa escolha pretendia ilustrar a vontade popular, um símbolo republicano. Não se sabe o que acontecerá no futuro, mas a história deixa as marcas no passado, caberá mais uma vez ao povo a renovação do símbolo que deveria a todos representar.

Primeira bandeira do Brasil República, tinha uma estrela vermelha. (Foto: Divulgação Alerj)