Da paixão nacional do futebol ao antagonismo político

Como o maior símbolo nacional passou a ser usado como símbolo partidário e quais as consequências disso?

A bandeira nacional não pertence a apenas uma parte da sociedade, ela é de todos. No entanto, usar as cores da bandeira do Brasil atualmente é identificado como apoiador de Bolsonaro, da mesma forma que o que usa vermelho é visto como eleitor de Lula. A bandeira juntamente com o hino nacional, representam a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. O uso do verde e amarelo atualmente tenta impor um ultimato ideológico: ou você é patriota ou está contra a nação. Essa associação continuará após as eleições? Qual será o papel da copa do mundo no meio político? Quem são os impactados neste antagonismo das cores? 

Prédio localizado na Beira-mar Norte de Florianópolis com a bandeira do Brasil e slogan de campanha partidária “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. (Foto: Renata Bueno)

No último 7 de setembro, muitas crianças demonstraram incerteza ao comemorar a data (que deveria ser ainda mais especial esse ano devido ao marco de 200 anos de Independência do Brasil), como o Pedro, de dez anos, aluno do quarto ano. A mãe Letícia contou que a escola enviou um recado na agenda pedindo para que os alunos viessem com cores da bandeira no dia 06 de setembro para a aula. O filho, entretanto, negou imediatamente, dizendo à mãe que não iria usar as cores, pois poderiam achar que ele gosta do Presidente Bolsonaro.

A Professora Paula Pereira que leciona o terceiro ano do ensino fundamental em uma escola privada de Palhoça, conta que todos os dias percebe os alunos de oito, nove anos, falando sobre política, mais especificamente sobre Bolsonaro e Lula. “Sempre que percebo esse tipo de assunto entre os pequenos, tento retomar para o foco do momento, pois acredito que eles não estejam na idade de discutir sobre isso, além de que pode causar uma briga por algo que provavelmente eles ouviram em casa. Na festa do 7 de setembro a maioria dos alunos vieram com as cores da bandeira, mas alguns não vieram e não falaram nada sobre. Noto apenas esse falatório diário sobre os candidatos e vejo que não é saudável eles se preocuparem com isso agora. Nós estudamos sobre cidadania semanalmente e esse assunto sobre política iremos ver mais para frente”, explica a professora. 

O que a história conta

Essa apropriação das cores divide opiniões, tanto que em julho deste ano, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul decidiu que símbolos nacionais não podem ser usados como objeto de cunho político. Segundo o TRE-RS, a bandeira não é símbolo ideológico, partidário ou governamental. Apesar disso, o julgamento não pode impedir o uso da bandeira em campanhas por não haver leis específicas sobre essa problemática. Jair Bolsonaro utiliza desde 2018 a bandeira do Brasil como símbolo de campanha eleitoral, no entanto a bandeira do Brasil já foi utilizada em campanhas e movimentos, como mostra a linha do tempo abaixo:

É justamente por patriotismo que muitas pessoas usam a bandeira brasileira para defender um político ou uma ala política específica. A lei 5.700/71 dispõe que: A bandeira nacional pode ser usada em todas as manifestações do patriotismo brasileiro, sejam oficiais ou particulares. Esse tipo de movimento não é exclusivo: países como a Alemanha e Finlândia também estão diante desse dilema: pessoas com determinada ideologia política estão se apropriando da bandeira nacional para representar suas causas. Segundo reportagem veiculada no site ponte.org “Esses grupos, de orientação libertária, abriram caminho para movimentos que se aliam mais explicitamente com o fascismo”. 

É o que aconteceu na campanha eleitoral de Donald Trump, nos Estados Unidos, onde a bandeira do país estava sendo utilizada frequentemente. A bandeira norte-americana passou a significar, para muitos, um símbolo ofensivo, pois muitos estadunidenses associam a bandeira com a escravidão e a opressão, conforme explica a reportagem divulgada pelo Uol. 

Apoiadores de Trump em frente ao Capitólio com bandeiras dos Estados Unidos e outras bandeiras com o nome do candidato com as cores da bandeira, quando Trump perdeu nas eleições em 2020. (Foto: Tyler Merbler / Wikicommons)

         

 O impacto desta associação ideológica

Além de ser um sequestro de um símbolo nacional orquestrado pela direita e dividir o país em dois, setores do comércio se sentem afetados, como o caso da Mayara Lopes, gerente de uma loja de materiais esportivos de shopping em São José-SC,  que mostra sua preocupação com a atual situação no país: “Na Copa do mundo de 2014 as camisetas da seleção brasileira, esgotaram meses antes dos jogos começarem, e agora com essa associação das cores da bandeira com a política, eu vejo os clientes comentando que não querem ser confundidos ao usarem a camiseta”, relata a gerente.

Dona Ruth, proprietária de uma boutique no bairro Eldorado, em Palhoça-SC, tem no merchandising de sua vitrine manequins com roupas vermelhas. Ela acredita que logo irão esquecer essa associação com as cores e que para o final do ano prevê um aumento na venda de roupas vermelhas para o Natal. “Já o verde e amarelo eu não sei dizer, porque para mim o vermelho pode significar várias coisas, mas as cores da bandeira parecem ter tomado um só significado”, explica a lojista.

Geralmente as campanhas eleitorais e seus símbolos são feitos de acordo com as cores do próprio partido, bandeiras com o nome e slogan de cada um são os objetos que tomam as ruas nas eleições. O PSTU, por exemplo, usa as cores vermelho e amarelo. O PSDB usa o branco e azul. O PT, a vermelha. Apesar do PSD, MDB e o Patriota terem as cores verde e amarela em seus slogans, em nenhum deles é utilizado a bandeira como marca do mesmo. 

Slogan dos principais partidos. PL, o atual partido de Jair Bolsonaro tem as cores azul, vermelha e branca. (Foto: Orla Notícias)

Thiago Schmidt, Síndico Profissional há doze anos em Palhoça, tem notado diversas ocorrências por conta do uso da bandeira que infringe o regimento interno dos condomínios. Ele conta que o clima entre os moradores tem sido tenso e que brigas, provocações e ameaças estão sendo as consequências pelo uso da bandeira. “Tem sido praticamente diário a reclamação dentro dos condomínios sobre as bandeiras nas janelas. As regras sobre a fachada do prédio são muito antigas e geralmente o pessoal respeitava, quando acontecia alguma coisa, era relacionado a colocação de tapetes pendurados ou o uso de cortinas que estão fora do padrão estabelecido internamente. Só que esse ano, principalmente, muitos moradores querem colocar na janela a bandeira do Brasil, e não pode, nunca pode, ainda mais quando mistura política”, explica o síndico. 

Marcelo Vieira, morador de Palhoça, é contra o governo, “acontece que isso é uso indevido do símbolo nacional, como o objetivo não é proteger o país, mas ajudar nas eleições ou no culto a um determinado político ou a uma determinada ideologia política, não se pode falar em patriotismo. Um patriota é alguém que demonstra devoção ao seu país, amor pelo país. Não alguém que demonstra afeto por pessoas ou ideologias”. Já Micaela Silva, estudante de Medicina, é a favor do governo: “As pessoas têm que entender que nós que começamos a grande mudança neste país. Fomos para as ruas pedir justiça contra a corrupção, precisávamos de alguém para representar a intolerância contra o sistema do PT. Bolsonaro representa exatamente aquilo que o Brasil precisa, por isso temos que usar nossas cores, a nossa bandeira”, conclui a estudante.

Eleições presidenciais

No dia 02 de outubro ocorreu o primeiro turno das eleições, e segundo o policial militar Rafael Filho, poucas ocorrências foram registradas durante o primeiro dia das eleições. Ocorreram alguns casos de boca de urna e algumas brigas “no geral foi um dia de eleição bem tranquilo por aqui, registramos também um carro de som fazendo propaganda, o que não pode no dia das eleições”, compartilhou o policial. 

Dias antes dos brasileiros irem as urnas, o TSE discutiu a possibilidade de proibirem mesários de usarem a camiseta da seleção brasileira, mas que no fim das contas não se concluiu. Essa ideia veio da tentativa de evitar uma possível campanha para algum candidato. Por outro lado, o mesário Ronaldo Santos, que trabalhava na UFSC, no segundo turno, ao ser questionado sobre o uso de uma camiseta vermelha, afirmou que não recebeu orientação alguma sobre o uso da cor “eu não estou usando vermelho com algum propósito, apenas é uma camiseta”, explicou o mesário. 

No segundo turno das eleições que iria decidir o novo presidente do Brasil pelos próximos quatro anos, Alana saiu de casa para voltar usando um vestido verde bandeira e foi atacada verbalmente nas ruas por candidatos contra Jair Bolsonaro “Nem me passou pela cabeça que eu poderia estar demonstrando favorecimento de algum candidato. Tenho esse vestido há anos e adoro usá-lo. Estou muito revoltada, pois fui agredida verbalmente, na frente dos meus filhos. Uma falta de respeito!” O mesmo aconteceu com a Dona Rosa Maria, no entanto ela usava vermelho. A aposentada contou que adora essa cor e que tem vários itens vermelhos em casa, “Para mim já faz parte do dia a dia essa cor. Agora, por causa desses malucos extremistas, eu não vou poder usar minha cor? Eu não sou bolsonarista, também não sou petista, só quero andar em paz com a roupa que eu quiser”, fala em tom de desabafo.

No colégio catarinense muitas pessoas demonstraram sua escolha política ao usar as cores que atualmente representam Jair Bolsonaro (Foto: Renata Bueno)

Copa do Mundo de Futebol 2022

A divergência em relação ao uso da bandeira e suas cores, afetou até mesmo uma mulher que portava esse símbolo enquanto caminhava por um shopping, em São Paulo, no último dia 12 de novembro. Ela foi abordada por um segurança que solicitou que ela retirasse a bandeira de seu corpo, o que acabou gerando uma discussão entre os seguranças do shopping com a cliente e outras pessoas que se indignaram com a situação. Será que alguns anos atrás, fora desse contexto político, uma pessoa nas vésperas da Copa do Mundo de Futebol, teria esse impedimento? 

Apesar das tentativas de outros partidos ao utilizarem a bandeira do Brasil como um dos símbolos de suas campanhas, o significado do verde-amarelo tem tomado rumos para se estabelecer como símbolo de extrema direita, da mesma forma como ocorreu no período da Ditadura Militar. Agora no período da Copa do Mundo de Futebol, a camiseta oficial da seleção bem como suas opções de cores amarela, azul ou branca serão usadas. Tendo elas as três opções de cores, será que as pessoas irão utilizar cores azul ou branca para não serem associadas ao movimento da extrema direita? O tempo irá mostrar como essa associação ideológica irá escrever a história da bandeira nacional. 

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