
Nos últimos anos, ser drag atingiu um patamar nunca visto antes na cultura. A drag queen que, no passado, se via relacionada a espaços muito específicos, como guetos e ambientes marginalizados, hoje é vista em campanhas publicitárias, paradas musicais, plataformas como Netflix, Youtube e Instagram, fazendo com que sua arte chegue a muitas pessoas.
Mas será que essa revolução alcança um público realmente amplo? Desafiar os padrões de gênero é algo que a drag queen sempre fez, mas assim como outras, essa atividade tem suas questões: O preconceito, a falta de empregabilidade, e mais recentemente a Covid-19. Com bares e casas noturnas fechadas, a rotina foi afetada e o futuro dos artistas que compõe esse cenário gera muitas incertezas.
O Fato & Versão entrevistou Arthur Gomes, mente por trás da criação da drag queen Suzaninha, para falar um pouco sobre esse universo e todas as questões que o cercam. Arthur é drag queen, palhaço, ator e ativista. Ele falou a respeito do Mapeamento de Arte Drag da Grande Florianópolis, ação desenvolvida pela sua produtora, a Bapho Cultural, que tem como objetivo mapear e coletar dados para pesquisas, além de entender como as figuras montadas estão desenvolvendo seus trabalhos em meio à pandemia.
Quando você começou a se montar?
Arthur: Comecei em 2014, logo que vim morar em Florianópolis. Fui convidado para fazer uma peça e, nesta peça, a gente ia montar essas figuras drags. Antes disso, eu não tinha esse recorte de trabalho como drag queen. Tenho formação em palhaçaria. Hoje, estabeleço essas pontes entre a palhaçaria e drag. Trabalho com oficinas, escrevo e pesquiso sobre essa figura clown queen, que dialoga com esses dois universos.
Como você avalia a cena drag em Floripa?
Arthur: A cena drag em Floripa teve diversos períodos. Ela esteve muito forte logo na virada dos anos 2000, sendo uma arte muito marginal, então as colegas se encontravam nos becos. Um grande espaço de socialização da arte drag em Florianópolis foi o Mix Café – extinto e saudoso Mix Café – onde surgiram vários rostos. Selma Light, grande comunicadora e mulher trans, que possui influência na cidade, surgiu neste período.
Tivemos o boom do Rupaul’s Drag Race, onde muitas colegas se encontraram enquanto drag. O movimento da região sempre foi muito estabelecido por ondas. Mas Florianópolis, enquanto capital gay friendly, ainda é muito distante em relação a empregabilidade, porque as pessoas parecem que não enxergam nossa expressão artística como trabalho.
Nós estamos presenciando uma invasão drag na cultura pop. Você acha que isso tornou a imagem da drag queen mais palatável? As pessoas olham com menos estranhamento?
Arthur: Sempre vai ser estranho, não é? Vivemos em uma sociedade que não é educada para discutir sexualidade e gênero. Se você ver um homem montado, com trejeitos e estereótipos femininos, gera um estranhamento. Mas é importante que esses corpos LGBTQIA+, ocupem cada vez mais espaços. É a pedagogia da formação de platéia: você vai preenchendo os espaços e vai formando público para apreciação e compartilhar essa arte.
Quanto mais espaços a gente ocupar melhor. Obviamente, também existe um recorte. Quais são essas figuras drag que estão ocupando os espaços da mídia hegemônica? Quais são esses corpos? Que expressão artística é essa? Precisamos nos questionar, caso contrário a gente cai só na reprodução do estereótipo e se perde. Acaba entrando nessa indústria cultural e dando apenas o que as pessoas querem.
Você vive profissionalmente como drag? Como tem passado nesse momento de pandemia?
Arthur: Sim, a Suzaninha é o meu trabalho. Por já trabalhar com produção cultural, a gente tem umas articulações de como inserir a Suzaninha no mercado de trabalho. Eu trabalho com meu companheiro, a gente tem a produtora, ele faz toda a produção da Suzaninha, cuida das questões fiscais e de contrato. Obviamente que os espaços de boate em Floripa não pagam peruca. É bem complexo, porque não tem um cachê equiparado a todas infelizmente.
Vocês estão realizando um mapeamento da Arte Drag na Grande Florianópolis. Fale um pouco sobre essa iniciativa.
Arthur: A ideia surgiu comigo, eu a levei para a produtora, onde foi super aceita. Mas a proposta é entender quem são essas figuras. Quais as especificidades? De qual região elas são? Até o momento nós já conseguimos mapear quase 30 drags, o que é pouco, acreditamos ter bem mais. O ponto principal é encontrar essas colegas, formar um coletivo, para começarmos a pensar nestas questões de empregabilidade, formação, direção, além de profissionalizar essas figuras. Entender que a arte drag é uma profissão.
Confira a entrevista na íntegra com o Arthur Gomes, a drag queen Suzaninha, no podcast do Fato & Versão.