De olho no retrovisor, conduzo um uber e ouço histórias

Márcia fecha a porta de casa com força e corre em direção ao carro. Está com pressa,  isso é evidente. Ela embarca perto das 19 horas de uma quarta-feira. Técnica em enfermagem, Márcia trabalha há 10 anos no Hospital Regional de São José, um dos maiores da grande Florianópolis. Vai encarar mais um plantão. Ela tem 53 anos.

Ela pergunta como estou, se estou me cuidando e me elogia por estar trabalhando durante a pandemia. A situação no Estado não é das mais alarmantes, pelo menos em compração com São Paulo, Rio de Janeiro e Amazonas. Márcia conta que há tempos não se via tamanha paz onde trabalha. Muitos leitos estão desocupados. A emergência, onde chegavam muitas pessoas vítimas de acidentes de trânsito, está irreconhecível por tamanha tranquilidade, segundo ela. “Nunca tinha visto, em uma década, nada igual”. Isso obviamente se justifica pela drástica redução no trânsito de veículos, principalmente nas primeiras semanas de quarentena. Nos quatro primeiros dias de decreto, o número de mortes em rodovias catarinense foi zerado. Os dados oficiais do Governo do Rio de Janeiro mostram uma redução de 40% em vítimas de acidentes no estado durante o isolamento social, em comparação ao mesmo período de 2019.  

Emergência do Hospital Regional de São José

Por outro lado, as dificuldades no trabalho aumentaram. Novas normas e cuidados para seguir em um ambiente em que o inimigo passeia frequentemente. A cada troca de sala e de paciente, luvas e máscara novas, além da limpeza de toda a vestimenta utilizada. O álcool em gel também é obrigatório, e por tamanha demanda, por vezes, a oferta não é suficiente:

– Como estamos usando muito álcool em gel, por vezes, a reposição não está no mesmo ritmo. Com isso, estamos sendo orientados para tentar trazer até de casa quando for possível. Também tem o caso de alguns funcionários que levam para amigos e familiares e isso acaba agravando mais o problema.

Para ela, existe política por trás da Covid-19. Márcia acredita que muito dinheiro que está passando nas mãos de políticos nesta pandemia será desviado e tem dúvidas em relação às origens do vírus e as explicações dadas pela China.

De forma parecida pensa Otávio Silveira Filho, de 32 anos. Em uma viagem de 15 minutos do Centro da Palhoça a Coqueiros, ele questionou os números oficiais relacionados ao Coronavírus, além de afirmar que todo esse “suposto caos” é uma jogada do capitalismo: 

– Eu não consigo acreditar, sabe? Vários vídeos de pessoas relatando que familiares morreram por tal motivo e que foi oficializado como Covid-19. Pra mim, não passa de uma jogada do capitalismo para fazer os ricos ganharem mais dinheiro e afundar ainda mais os pobres.

Sua viagem resultou, inclusive, de uma briga com a família. Otávio se recusou a permanecer em casa, onde mora com a esposa e a avó dela, e foi passar alguns dias com a mãe, em Coqueiros. O motivo da briga foi a preocupação da esposa com sua avó, integrante do grupo de risco da Covid-19, já que Otávio se recusava a fazer a quarentena.

Adepto de bares, ele continua frequentando sempre que possível, já que nem mesmo as primeiras semanas da pandemia fizeram o estabelecimento que Otávio frequenta fechar. 

Dias depois, tive a companhia de Marcela Kirchner, paranaense de 18 anos, que veio morar em Florianópolis para cursar Engenharia Civil, na UFSC. Ela mora na Barra da Lagoa, onde a deixei após buscá-la no Centro. 

O sorriso, a simpatia e o otimismo nem parecem de uma pessoa que está vendo o primeiro semestre do seu sonho sendo adiado. As aulas na UFSC estão suspensas pelo menos até dia 31 de maio. Devidamente “equipada”, com máscara e bastante álcool em gel, Marcela conta que o desafio de morar sozinha tão jovem se tornou ainda maior devido à pandemia.

– Estava tudo muito planejado. Meu pai alugou um lugar legal aqui na Barra, eu não dirijo, mas me viro bem com transporte coletivo e de aplicativo. E agora uma bomba dessas?! A gente fica meio sem saber o que fazer. Eu não conheço ninguém na cidade, apenas conversei com alguns colegas que conheci na Universidade.

Para fugir do tédio e da solidão por aqui, ela assiste séries e estuda por conta própria, ainda que não tenha um norte por passado apenas duas semanas em sala de aula e ser a primeira da família a entrar no mundo das engenharias.

A tecnologia é hoje sua melhor amiga. O GPS tem sido fiel companheiro para não se perder pela cidade, enquanto o iFood mantém Marcela nutrida e firme para não desistir do sonho e acabar voltando para São José dos Pinhais, no Paraná. Seus pais, inclusive, querem isso, mas ela acha que viver esse momento difícil sozinha a fará crescer como pessoa.

A viagem de Marcela foi marcada por um sábado de sol e, contornando as curvas da Barra da Lagoa e da Praia Mole, a certeza de enfrentar a pandemia por aqui foi devidamente justificada e fortalecida:

– Olha no retrovisor – se tratava da Praia Mole – agora dá uma olhada aqui na frente, após o morro – o canal da Barra – Como que eu vou embora disso aqui?

Ao fundo, no retrovisor, a Praia Mole, em Florianópolis

Publicidade

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s