Os desafios de quem está em sofrimento psíquico e de quem quer ajudar

“Um dos principais desafios quando se tem problemas como ansiedade e depressão é saber lidar com as atividades e coisas que seriam comuns para as outras pessoas”, conta Maria Eduarda Mendes Hossein, diagnosticada com depressão há quatro anos e ansiedade há mais de dois anos. O que é considerado simples para muitos pode ser muito desafiador para pessoas como Mendes, como é chamada pelos colegas da faculdade. O medo de não conseguir realizar as atividades que o dia a dia demanda faz com que ela muitas vezes não tenha nem mesmo vontade para levantar da cama, “não por preguiça”, ressalta, “mas por total falta de vontade, sem esperança de que o dia será bom”.
Maria Eduarda Mendes tem 20 anos e atualmente cursa Jornalismo na Unisul desde 2017. É gaúcha e, desde sua vinda para Florianópolis, tem enfrentado dificuldades, sendo o sofrimento psíquico apenas uma delas. Mendes teve que se virar longe da família, que voltou ao Rio Grande do Sul. Graças a uma bolsa, estudou em um colégio particular. Depois, graças ao ProUni, conseguiu ingressar na faculdade. Durante sua história, na conta de dificuldades que já passou, a financeira também é uma que a atormenta.
Assim como nos estudos, Mendes também enfrenta desafios no mercado de trabalho. Durante as aulas ela conta que tem vontade de participar mais e apresentar trabalhos, porém, na maioria das vezes, entra em pânico. “Muitas vezes a ansiedade me impede de fazer certas atividades, tanto por me fazer desacreditar do meu potencial, quanto pelo mal estar físico que ela provoca”. As sensações físicas podem ser coisas como dores no corpo, suor excessivo, descontrole emocional, tremedeira, pânico, falta de ar. No trabalho, ela conta que a ansiedade também a impede de se relacionar com as pessoas.
Morando a mais de 550 km de seus pais, Maria Eduarda fala da importância da compreensão no meio familiar. “Acho que uma das principais coisas é ajudar a ter calma. A família tem um papel fundamental na hora de oferecer conforto. Sabe aquela coisa de que tá tudo bem estar tudo ruim? É importante a família mostrar que você não está sozinho, que as coisas vão ficar bem, que só precisamos focar no agora”. Assim seria o adequado com todo mundo, mas todos são diferentes e há pessoas que não estão preparadas, ou nem mesmo preocupadas, em como vão se relacionar. “A ansiedade deixa tudo instável. É bom ter pessoas que fazem as coisas ficarem bem”, explica a estudante.
Quando descobriu que estava com depressão, Maria fala que não começou o tratamento de imediato porque a família “não acreditava que eu estava realmente com depressão e não achava que isso ia afetar minha vida de algum modo”. Então acabou se esquivando do tratamento por pensar que estava bem. Foi então que começaram os problemas mais sérios e a ansiedade. “A ansiedade faz dois anos e pouquinho. Descobri por começar a passar mal, sentir falta de ar e sentir outros sintomas que até então eu não tinha fazendo minhas atividades normais”. Foi assim que ela procurou ajuda médica e teve a confirmação. Começou a tomar calmantes porque achava que era besteira, mas depois de poucos meses começou a tomar antidepressivos “porque meu quadro tinha piorado muito, comecei o acompanhamento de fato”.
Ela conta que até hoje não conseguiu se adaptar a nenhum psiquiatra e psicólogo: “não consigo me adaptar e não sinto vontade de continuar qualquer tratamento”. Para ela, as conversas parecem soltas e os profissionais despreocupados em se ela voltará ao tratamento ou não. Além de tudo, também tem o fato de que os tratamentos não são baratos e para pessoas nessa situação é difícil investir em algo que você não está seguro de que vai funcionar, ainda mais com a ansiedade. “A terapia é cara e no SUS tem quase que implorar para atendimento”.
Para Mendes, a experiência que teve e tem com o serviço público é complicada. Ela conta que já iniciou um tratamento no CAPS, Centro de Atenção Psicossocial, mas que na 5ª consulta os servidores entraram em greve. “Tive que procurar consultas particulares”. Segundo ela a infraestrutura do Centro também deixa a desejar. “Como meu caso estava em nível de atenção, tive prioridade no atendimento, mas mesmo com isso demorava pelo menos meia hora para ser atendida, pois tinham três médicos para cuidar de um número enorme de pacientes com problemas psicológicos graves”.
Para conseguir medicamentos gratuitamente, ela relata que nos postos de saúde é bastante demorado. A fila é muito grande, então é preciso chegar de madrugada para tentar pegar uma ficha de atendimento e tentar conseguir os remédios de graça. Ela já foi no posto da Armação do Pântano do Sul, quando morava lá. Também já se consultou no Estreito, tentou nos Ingleses, mas “como é um bairro muito grande, a chance de conseguir uma das fichas de atendimento era baixa”.
A psicóloga Ana Lopes, professora na Unisul, lembra que com a chegada do Sistema Único de Saúde, o SUS, por meio da Constituição de 1988, “a saúde passa a ser um direito das pessoas e passa a ser o Estado o responsável pela organização de uma saúde que seja integral”, que atenda as pessoas não só em seus acometimentos físico-sociais, mas também psíquicos. A professora destaca também que, apesar do serviço ofertado pelo Estado ser muitas das vezes frágil, “eles têm filas de espera, eles demoram no atendimento, mas eles estão sempre muito esforçados em organizar serviços para atender esse tipo de demanda”.
Ana também levanta a discussão sobre o aspecto cultural. “Não dá pra gente dizer que a saúde mental das pessoas imprescinde apenas dos profissionais do campo da saúde mental”. A psicóloga aponta inclusive para o papel dos profissionais da área da Comunicação em debater mais o tema. Segundo ela, eles “também têm alguma responsabilidade sobre isso. Eu acho muito importante que outros profissionais também se aproximarem dessa crítica que eu estou fazendo”. Mais áreas e a sociedade como um todo precisam abordar o tema da saúde mental, no olhar da professora.
Na Unisul, onde Maria Eduarda estuda Jornalismo, há um serviço de psicologia gratuito, porém, segundo a aluna, “a universidade até oferece atendimento para a comunidade, mas efetivamente não há um atendimento específico aos estudantes. A respeito da relação com os professores sobre sua depressão e ansiedade, ela diz que não fala com todos sobre isso, mas com aqueles que conversa geralmente há compreensão, porém entende “que seria mais por pena do que por ajudar, é meio que: ah, ok”.
A Universidade do Sul de Santa Catarina conta com programas onde abordam esses assuntos. Flavia Wagner, assessora pedagógica da universidade, falou sobre o ProFoco, o Programa de Formação Continuada da Unisul, que tem como um de seus objetivos municiar os professores para lidarem com alunos com deficiência como autismo, déficits, hiperatividade e dislexia. Também é conversado com os professores a respeito de alunos que apresentam sinais de depressão e que sofrem com ansiedade. A intenção é sensibilizar o professor e convidá-lo a prestar atenção nos sinais e a identificar a dificuldade nesses alunos, como o isolamento, quando o aluno fica distante e se auto exclui das atividade em grupo, entre outros indícios. Mas os professores não passam por formação específica para lidar com questões de saúde mental.
Neste semestre, Flávia conta que foram identificados três alunos com depressão. Um foi apontado por um professor, outro pela coordenadora de curso e o terceiro foi através de uma colega da aluna que presenciou a amiga falando sobre não querer mais viver. Quando identificados, esses alunos são enviados para o PPA, Programa de Promoção de Acessibilidade, onde, com o auxílio de uma psicóloga, os casos são estudados para saber se o aluno já tem acompanhamento psicológico, se a família sabe. “A partir daí a gente tenta fazer os encaminhamentos”, que podem ser até para o hospital de psiquiatria de São José, segundo Flavia. Ela deixa claro que o papel desses programas é de auxiliar nos encaminhamentos para que o aluno se sinta amparado e acolhido dentro da universidade. Nos atendimentos, também podem ser abertas exceções em avaliações, com base no diagnóstico, e outras adaptações junto aos professores para um maior conforto ao aluno para que ele não seja prejudicado por uma condição que escolheu possuir.
A Unisul tem em seus dois Campi, Tubarão e Palhoça, o serviço de psicologia gratuito. Para ser atendido, é preciso passar por um processo de triagem, depois de ter solicitado atendimento e ter esperado na lista de espera, que é grande. O serviço funciona com alunos da última fase do curso de Psicologia, então a cada semestre são novos estudantes que passam a atender as pessoas. Inclusive continuam casos que já estavam sendo atendidos e isso influencia na demora ou rapidez do atendimento. O serviço é focado prioritariamente para pessoas de baixa renda.
Em entrevista, a aluna Luana*, que está na última fase de Psicologia, diz que durante o processo de triagem é importante deixar claro que, apesar do sigilo, o atendimento será supervisionado por professores e que posteriormente o aluno a atender pode ser outro. Os casos também são classificados como de menor, média e grande urgência. Depois da triagem também, os pacientes podem ser encaminhados para outras instituições.
Luana e Adriana*, outra aluna que atende os pacientes, também falam sobre como foi escolher o curso e sobre a visão que tinham do profissional de psicologia antes de estudarem. Para Luana, quando mais nova, sempre lhe disseram que sabia dar conselhos e ela não tinha muita ideia sobre a área, mas idealizava como algo que aparece na mídia, como as cenas clássicas de psicólogos sentados ouvindo o paciente deitado no divã. Depois quando trabalhou em uma clínica, conheceu uma psicóloga, mas sem saber muito sobre a profissão decidiu pelo curso. “Tenho sorte de ter gostado do curso”, afirma.
Já Adriana conhecia mais sobre a área de psicologia, mas ainda tinha pouca informação profissional. Ela conta que via as pessoas com dificuldade e a vontade de poder oferecer algo melhor para essas pessoas a fez ter certeza de sua escolha pelo curso. “Já conhecia outros campos: psicólogo clínico, organizacional… A psicologia é muito ampla”.
As alunas falaram como está a situação da psicologia hoje, principalmente pelo uso de práticas terapêuticas que não são do psicólogo. Para Luana, hoje está tudo muito rápido, com a tecnologia avançando cada vez mais, “só que o atendimento não pode ser rápido, é um processo que leva tempo, mas as pessoas muitas vezes buscam algo imediato e isso não é possível se a pessoa quiser realmente ter um resultado duradouro em seu tratamento”, complementa.
*Nomes fictícios, respeitando as entrevistadas que preferiram não ser identificadas.
Carla do Nascimento