
Lara vem de uma família que nunca deixou faltar nada em casa. A estável condição financeira permitiu que a jovem estudasse em bons colégios. Aos 14 anos, ela conheceu um garoto na escola onde estudava. Os dois ficaram amigos e logo a relação foi crescendo e eles começaram a namorar. O menino tinha 15 anos, era filho único, de classe alta e sempre conseguia facilmente tudo que desejava. “Ele tinha tudo o que queria no sentido tanto financeiro quanto emocional. Os pais davam tudo”, conta Lara.
Ela acredita que o namorado, na época, seguia essa mesma lógica de ganhar tudo que queria ao insistir em ter relações sexuais. Mas ela recusava. “Ele dizia coisas do tipo ‘ah, mas se a gente ta junto e você gosta de mim, não vejo o porquê não”, conta. As reações do rapaz, sempre que a menina negava, eram de questionar o sentimento por ele. E no momento em que os dois tiveram a primeira relação, ele riu do corpo dela. Lara ainda recorda que o garoto tinha um comportamento que diminuía tanto a ela como outras mulheres. “Ele sempre teve comportamentos machistas, de achar que estava sempre certo me chamar de louca e etc”, lembra. E diz que muitas vezes fez na cama coisas que não gostaria mas que pareciam ser sua obrigação. “Eu dizia eu não quero e ele dizia ‘ah mas eu quero que você faça, mas faz, por favor'”.
Já com 16 anos, ela conheceu uma outra pessoa, através de uma amiga, em uma festa. Com poucos meses de namoro, Lara conta que o rapaz usava o emocional como uma forma de violência. “Ele sempre foi muito católico e queria ser padre antes de namorar comigo, vivia fazendo pressão psicológica para que eu não terminasse com ele porque eu era o motivo para ele ter abandonado o sacerdócio”, conta. O término da relação partiu dela. “Eu tava cansada. Sentia que eu vivia uma vida que não era minha. E terminei”, relata. Após o fim do relacionamento, ele continuou rondando o círculo de amizades dela, se envolveu com uma de suas amigas e dizia, segundo Lara, que queria se matar por conta disso. “Na família dele, os pais eram coniventes com o que ele fazia”, fala.
A frequência de notícias relacionadas com violência contra a mulher chama a atenção tanto nos números nacionais quanto nas ocorrências em várias cidades catarinenses e nos fazem questionar o quanto os hábitos de controle emocionais numa relação contribuem para a existência de dados tão elevados. Em 2018 foi registrado o maior número de registros de violência sexual. Foram 66.041 casos registrados em todo o país. Desses, 53,8% foram de abuso sexual contra que tinham menos de 13 anos. É uma média 180 estupros por dia.
Em Santa Catarina, de acordo com o Boletim Semanal de Indicadores da Secretaria de Segurança Pública do Estado, de janeiro até o dia 22 de setembro, foram registrados 39 feminicídios, sendo que no mesmo período do ano passado foram de 31 casos. O último Anuário Brasileiro de Segurança Pública , publicado no dia 10 de setembro, com dados de 2018, mostrou que em 88,8% dos casos de feminicídios no Brasil, o autor foi o companheiro ou ex-companheiro da vítima.
Na última sexta-feira (20), uma mulher foi esfaqueada dentro de casa no bairro Brejaru, em Palhoça. O processo segue em segredo de justiça, mas de acordo com o Fórum da Comarca de Palhoça, o homem foi à audiência de custódia no sábado (21) e continua preso. Segundo uma comerciante que conhecia a vítima, a mulher segue internada no Hospital Regional de São José, mas não corre risco de vida.
Para Sheila Sabag, secretária executiva adjunta da Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, e integrante da Casa da Mulher Catarina, o machismo é um dos motivos para o aumento da violência. “A gente já compreende como isso está impregnado na sociedade, tanto que é um estado que mata tanta mulheres, que agride tantas mulheres, que violenta tantas mulheres”, fala. De acordo com Sheila, as mulheres estão denunciando mais, porém a cultura do homem se sentir dono da mulher ainda é frequente na população. “A questão dos feminicídios é a questão do patriarcado, do machismo, no domínio do corpo das mulheres, da propriedade. Tem homens que não conseguem aceitar a separação, eles não conseguem perder aquela mulher, de posse mesmo”, conclui.
Sheila propõem ainda que, para diminuir os índices de violência contra a mulher, é preciso levantar a discussão da masculinidade. “Pra ser homem não precisa ser super. Aquele que toma conta de tudo, aquele que é o protagonista da sua casa, que manda, que as pessoas precisam cumprir. Isso tem que mudar. Isso muda onde? Muda na educação, com as crianças, meninos e meninas, para que eles aprendam que tem direitos iguais e podem decidir o que ser ou não ser” sugere.