O importante papel econômico do ProUni e Artigo 170 na vida de estudantes universitários
Brincar na rua. Correr. Cair. Ralar o joelho. Era dessa forma que crianças de várias gerações aproveitavam a infância. Aprendia-se que as formas mais simples de brincadeira eram as mais divertidas. Ketylle Simas esteve presente no início dos anos 2000, um período em que a tecnologia já ganhava um espaço expressivo no Brasil. Os brinquedos eletrônicos tornaram-se atrativos mais interessantes que os feitos de forma simples. Mas, Ketylle não perdeu seu espaço na rua, valorizava a tradição do ar livre e o contato com o próximo e só deixava de lado isso quando passava as horas desenhando. A mesma importância que era colocada na infância de Ketylle em ter esse contato com o real, também foi incentivada nos estudos. Sua mãe sempre estava presente para que a filha estudasse.
A dificuldade econômica nunca foi um fator preocupante até o ensino médio, porém quando se tratava de um ensino superior, este era uma barreira. A jovem conta sobre o incentivo da mãe em estudar para não precisar pagar uma faculdade. ‘’Desde pequena a minha mãe sempre me alertou que eu estudasse, pois não teria condições de pagar uma faculdade para mim’’. Entretanto, essa barreira foi contornada, com o subsídio dos estudos conseguiu através da bolsa do ProUni, que cobre 100% da mensalidade, ingressar na Unisul.
O Programa Universidade para Todos (ProUni) é um programa criado pelo Governo Federal do Brasil, em 2004, com o intuito de oferecer bolsas de estudo em cursos de graduação em instituições privadas de ensino superior, para estudantes que possuem uma renda familiar mensal de até três salários mínimos por pessoa e que ainda não tenham um diploma de nível superior. As bolsas concedidas podem ser integrais, que cobrem 100% do valor da mensalidade, ou parciais, pagando 50% do valor. Para participar, é preciso ter feito o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) correspondente com o período em que queira se candidatar ao ProUni. O desempenho no exame deve ser de no mínimo 450 pontos nas médias das provas e nota maior que zero na redação.
A escolha de Ketylle pelo curso não foi a primeira opção desejada. Sempre sonhou em fazer uma faculdade voltada para o desenho. A paixão por eles era algo que sempre lhe acompanhou. Ainda no ensino médio, começou a cursar o SENAI no período em que não estava na escola. Fez dois cursos voltados para Arquitetura, onde podia pôr em prática o que já gostava. Ao prestar o vestibular, Ketylle tinha esperança que pudesse iniciar uma graduação na área, entretanto não conseguiu alcançar a nota para entrar.
O sonho de ingressar em uma faculdade voltada para o desenho, como arquitetura, poderia ter acabado ali, mas Ketylle conseguiu passar em sua segunda opção de curso, que não era voltado ao planejamento de prédios ou casas, mas os desenhos sem dúvida eram de grande contribuição. ‘’Acabei passando para cinema, hoje estou na sexta fase e me encontrei no curso com o tempo’’, conta.
Durante os últimos três anos, a estudante vem aprendendo com o curso práticas que envolvem desenho e que lhe encanta cada vez mais, como trabalhos voltados a direção de arte. A bolsa contribuiu muito para que Ketylle conseguisse permanecer em um ensino superior. ‘’Hoje eu faço uma faculdade porque eu passei, consegui entrar em uma, mas eu não sei se eu conseguiria se eu não tivesse uma bolsa. Provavelmente eu teria saído do ensino médio, trabalhado uns dois anos direto sem estudar para guardar dinheiro e sim, pagar a faculdade, mas demoraria até conseguir o dinheiro’’, relata.
Assim como o receio de não conseguir permanecer em uma faculdade sem uma bolsa, a jovem também sente o peso de um mercado de trabalho instável na área do cinema. O fator econômico contribuiu para que Ketylle tomasse uma decisão. ‘’Eu vejo veteranos já formados há um ano ou mais com dificuldades de conseguir um trabalho na área, mesmo sendo muito bons. Por isso decidi que esse ano eu vou parar de fazer cinema, mas eu pretendo sim voltar. Ano que vem eu quero fazer arquitetura, conseguir uma bolsa de novo, tanto no ProUni se eu não conseguir passar no artigo 170, mas eu pretendo ficar na Unisul, pois eu sei que ela é boa’’, explica a estudante.
Ketylle acredita que a arquitetura pode lhe oferecer um mercado mais estável, onde possa crescer profissionalmente, trabalhando na área que gosta e assim, futuramente conseguir retornar ao curso de cinema. ‘’O cinema me ajudou muito, abriu meus olhos, me descobri profissionalmente e sei que não foram anos perdidos. Eu quero voltar depois de me formar em arquitetura’’, ressalta.
No segundo semestre deste ano, as bolsas do ProUni foram disponibilizadas na Unisul, entretanto houve uma redução no número comparando os editais de oferta de 2016 a 2019. Em três anos o total de bolsas ofertadas em todas as unidades da universidade foram reduzidas à metade. Veja a seguir o gráfico que mostra a variação no número de bolsas oferecidas pelo programa.
Como mostra o gráfico, o número de bolsas ofertadas no segundo semestre de 2016 é muito maior que nos anos seguintes, chegando a 122 no total e 31 para o Campus Pedra Branca. Já 2017 foi o ano que mais apresentou queda, com apenas 26 bolsas ao total e somente 12 ofertadas para unidade Pedra Branca. Em 2019 houve uma alta, com 66 bolsas ao total e 22 pertencentes a Pedra Branca, entretanto ainda não conseguiu se igualar a 2016. O último edital de classificação mostra também que 136 estudantes foram classificados na lista de espera da bolsa, ou seja, além da redução do número destas, há também uma demanda maior de pessoas aguardando o benefício.
Segundo dados do Ministério da Educação (MEC), Sisprouni e Receita Federal, este ano foram ofertadas 413.114 bolsas do ProUni no Brasil, somando as parciais com as integrais. Um resultado superior a 2015 onde houve 329.117 bolsas. Entretanto, mesmo com o volume maior de bolsas em sua totalidade, este ano houve uma diminuição no número de bolsas integrais. Veja a seguir o gráfico que mostra as reduções no decorrer dos anos.
Em 2015, 62% das bolsas eram integrais. Neste ano, o percentual caiu para 45%. Outro aspecto da redução que vale ressaltar é que além da diminuição da integralidade, no segundo semestre deste ano mais da metade das bolsas integrais em instituições particulares de ensino foram direcionadas a cursos de ensino a distância (EAD). Segundo o site Agência Brasil, que corresponde a uma agência de notícias de propriedade do poder executivo, de um total de 68.087 mil bolsas integrais oferecidas, 35.903 mil foram disponibilizadas ao ensino a distância. Em segundo lugar estão os cursos presenciais noturnos, com 21.477 bolsas integrais, depois os presenciais matutinos com 9.443 mil bolsas, em seguida os presenciais integrais que correspondem a 1.320 mil bolsas e por fim os vespertinos com 944 bolsas.
O auxílio da bolsa para vencer a incerteza de permanência em uma graduação
No Brasil, o trabalho para menores de 16 anos é proibido pela Constituição segundo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Só é permitido a partir dos 14 anos se o contrato for como menor aprendiz. Mas, a realidade é ainda diferente da lei. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgada pelo IBGE, referente ao ano de 2016, o Brasil tinha 1,8 milhões de crianças e jovens com idade entre 5 e 17 anos trabalhando. Do total de crianças no mercado de trabalho, 34,7% são meninas e 65,35% meninos.
Esta foi uma realidade na vida de Valber Santos. Começou a trabalhar com 12 anos para ajudar financeiramente em casa. Com 13 anos, precisou mudar o turno na escola e passou a estudar à noite, pois o trabalho consumia quase todo o seu dia. Os sonhos também lhe acompanhavam. Um deles foi o incentivo para a escolha da graduação, mesmo que no início um preconceito o acompanhasse. ‘’Desde a infância, adorava ver rótulos de embalagens, comecei assim a gostar de nutrição, mas eu tinha um preconceito, pois sempre via somente mulheres fazendo o curso’’, relembra. Valber superou o preconceito e ingressou em uma graduação no curso de nutrição.
Natural de Bituruna, Paraná, se mudou para Curitiba em janeiro de 2017 para tentar entrar na Universidade Federal do Paraná (UFPR), mas acabou não conseguindo. No mesmo ano veio morar em Palhoça. Passou dois anos tentando construir sua vida até que, no começo de 2019, resolveu que era hora de tornar realidade um sonho que o acompanhava desde pequeno. ‘’Entrei na Unisul por ser perto de casa. Estou cursando nutrição e minha turma de 38 alunos, acho que somente uns três ou quatro são homens, mas isso não me incomoda mais’’, conta.
A barreira do preconceito foi vencida, entretanto, o fator econômico é uma dificuldade que persiste na vida do estudante. Valber mora sozinho, trabalha de segunda a segunda em uma empresa de decoração. Cursando a segunda fase de nutrição, já teve que remanejar sua grade de horários. ‘’O curso é caro e precisei tirar algumas matérias para conseguir pagar a mensalidade’’, explica.
Valber não possui o auxílio de uma bolsa de estudo, paga a mensalidade e os custos de morar sozinho por conta própria, mas a bolsa é um objetivo do estudante. ‘’Tentei o último edital do artigo 170, mas não consegui entregar todas as documentações, por problemas pessoais, mas pretendo tentar de novo no próximo semestre. É um recurso importante por causa da minha questão financeira. Sem ele não sei se consigo permanecer no curso, talvez mais um semestre se pegar pouca matéria’’, relata.
O Artigo 170 é um recurso financeiro concedido através do UNIEDU – Programa de Bolsas Universitárias de Santa Catarina – pelo qual o Governo do Estado de Santa Catarina disponibiliza em forma de bolsas de estudo e pesquisa a alunos economicamente carentes e portadores de deficiência ou invalidez permanente, matriculados em cursos de graduação presenciais ou a distância. O benefício pode cobrir de 25% a 100% do valor da mensalidade. O critério de avaliação sobre o grau de carência dos estudantes é feito pela própria Universidade.
No segundo semestre de 2019, a Unisul teve 107 estudantes classificados na lista de pré-selecionados do artigo 170, segundo o edital de classificação divulgado pelo site da universidade.
Em quase um semestre e meio de curso, Valber já se familiarizou com a área hospitalar, tornando-a uma possibilidade de atuação na área da nutrição. ‘’Quero atuar na área hospitalar, mas ainda tem várias áreas que eu penso, estou no começo do curso então ainda não tenho muita noção’’, conclui.
O sonho de Valber Santos em permanecer no curso ainda é incerto sem um auxílio financeiro. A bolsa de estudo é sua oportunidade de conseguir concluir a graduação e futuramente atuar na área onde os rótulos de embalagens que tanto gosta o acompanharão.
A contribuição da bolsa para uma futura carreira médica
A parede branca. Os móveis em cor neutra. O cheiro característico do ambiente. As expressões de preocupação. Quando se pensa em um hospital, logo vem a ideia de um lugar de sofrimento e aflição. Para os que precisam ir até ele, talvez estas sejam emoções a sentir, mas para os que trabalham na área da saúde, talvez pequenos gestos e ações tornem mais leve a área hospitalar. Este foi um dos motivos que fez a estudante Gabrieli Lima dos Santos escolher cursar Medicina. ‘’Eu sabia que queria algum curso na área da saúde, mas não sabia muito bem qual. Então comecei a pesquisar mais sobre e em uma época em que minha mãe esteve internada no hospital eu decidi de fato que era medicina o que eu queria fazer. Meu sonho desde então é poder mudar um pouco o paradigma de medo e o clima ‘pesado’ dentro da área médica, levando mais leveza e alegria para essa parte da área da saúde’’, conta.
O amor pela medicina começou ainda no segundo ano do ensino médio. Nascida em Vacaria, Rio Grande do Sul, Gabrieli se mudou para Pedra Branca para estudar e começar a traçar seu caminho em busca de uma graduação na área. A jovem precisou conciliar o desafio de passar em um vestibular com as dificuldades de morar em uma cidade nova. ‘’Fiz cursinho por dois anos e meio e foi um período que exigiu bastante de mim, pois além do esforço para passar no vestibular, tive que me adaptar a morar sozinha em outra cidade. Eu tinha o objetivo de passar na UFSC e a Unisul era meio incerta, se eu passasse provavelmente iria conversar com meus pais e ver o que iria rolar, que foi o que aconteceu, acabamos optando juntos por realizar a matrícula aqui na universidade’’, relata.
Gabrieli cursa atualmente a terceira fase de medicina, recebe o auxílio da bolsa de estudo do artigo 170 que cobre 50% da mensalidade, entretanto o processo para conseguir o benefício precisa ser refeito todo semestre, logo a bolsa não é definitiva para o curso todo. ‘’Ela é fundamental, pois sem ela eu não sei se estaria ainda estudando na Unisul. Como minha família não reside aqui, ainda tenho custos com moradia, supermercado e outros e, com a ajuda da bolsa, os custos diminuem bastante’’, conta.
Um aspecto interessante a ressaltar são as políticas de permanência, pois por mais que existam bolsas como as do artigo 170, que ajuda nos custos da mensalidade, este não é o único problema. Os gastos para que os estudantes se mantenham e possam se sustentar fazem com que a mensalidade não seja o único custo. Uma iniciativa do Governo Federal, criada em 2013, é um dos caminhos que auxiliam a solução desse problema. A Bolsa Permanência é uma política pública voltada à concessão de ajuda financeira aos estudantes que atendem os critérios da política de cotas, estejam matriculados em cursos com carga horária com mais de cinco horas diárias e que tenham renda familiar mensal de até 1,5 salário mínimo por pessoa. O programa também atende indígenas que comprovem residência em comunidades tradicionais reconhecidas e quilombolas matriculados em universidades federais. O recurso é pago diretamente aos estudantes por meio de um cartão de benefício disponibilizado pelo Banco do Brasil. Atualmente o valor do auxílio é de R$ 900,00 para alunos indígenas e quilombolas e R$ 400,00 para os demais.
Para Gabrieli, o curso a faz muito feliz e já pensa até na possibilidade de uma pós-graduação. ‘’Até agora ele está superando todas as minhas expectativas. Cada dia aprendo alguma coisa nova e muitas experiências incríveis que me moldam não só como futura profissional, mas também como ser humano. Como estou bem no início do curso ainda não sei em qual especialidade pretendo atuar, porém tenho certeza que sim, quero fazer uma residência – modalidade de pós-graduação – e continuar cada vez mais adquirindo conhecimento’’, descreve.
Em um dos cursos mais concorridos e caros do país, onde a mensalidade ultrapassa R$ 6.900, a bolsa de estudo é determinante para Gabrieli na realização do seu sonho. O artigo 170 é a oportunidade que ela tem de concluir a graduação e conquistar o objetivo de trazer um pouco de alegria a um ambiente ainda caracterizado como triste.
Como ingressar na Unisul com a bolsa do Prouni ou Artigo 170
Para participar do ProUni, além do critério obrigatório de ter feito o Enem no ano anterior, obtendo a nota mínima de 450 pontos e não zerando a redação, o procedimento para concorrer a uma bolsa é, primeiramente fazer a inscrição no site do MEC. Após isso, o estudante deve criar uma conta de usuário no ‘’MinhaUnisul’’. Depois de criado o usuário, é preciso agendar uma entrevista por meio do telefone 0800 970 7000. O aluno também precisa providenciar a documentação exigida no edital para entrega na entrevista. Após o comparecimento no dia, horário e local disponibilizado no site da Unisul para realização da entrevista, se aprovado, o estudante deve comparecer também nos horários estipulados para matricular-se no curso escolhido.
Já para obtenção da bolsa de estudo do Artigo 170, primeiro é preciso efetuar o cadastro no site do Uniedu. Também é preciso estar regularmente matriculado em um curso de graduação presencial ou à distância na Unisul e residir no Estado de Santa Catarina. O estudante deve acessar o ‘’MinhaUnisul’’ com o seu login e senha (se não tiver, crie um novo usuário). Após isso, o aluno precisa entregar os documentos previstos em edital disponibilizado no site da Unisul e aguardar o contato da Universidade para entrevista de avaliação socioeconômica.
Todos os editais de ofertas e classificação com todas as informações necessárias para que o estudante possa realizar os processos mencionados anteriormente estão disponíveis no site da Unisul, na aba ‘’como ingressar’’. As inscrições de bolsas do segundo semestre de 2019, tanto do ProUni quanto do Artigo 170 já foram encerradas. As inscrições ainda estão abertas para as vagas remanescentes do ProUni – direcionadas a quem fez o Enem a partir de 2010 – até o dia 30 de outubro.
Confira também a conversa com a assistente social da Unisul Virtual, Tatiane Crestani Trentin, onde ela fala sobre todo o processo e dúvidas recorrentes em relação às bolsas do ProUni e Artigo 170 no que diz respeito ao ensino à distância.
Kiara Silva