O bairro Cidade Pedra Branca é uma área com prédios de luxo e áreas de lazer para as pessoas que vivem ali. A Unisul, Universidade do Sul de Santa Catarina, tem uma de suas unidades dentro do bairro. Os empreendimentos da região são lucrativos para os envolvidos e a sustentabilidade no lugar é uma ambição para muitos, apesar de ser rodeado por outros bairros com bem menos estrutura pública.
A Pedra Branca é uma enorme rocha posicionada verticalmente entre os municípios de Palhoça e São José, fato que até gerou discussões a respeito de qual município teria sua posse. É um detalhe que não faz muita importância até porque hoje o monumento natural anda meio abandonado, independente do município responsável pelos cuidados com suas trilhas e a preservação das áreas no entorno.
As trilhas até o topo guardam histórias. O professor Jaci Rocha Gonçalves, que dá aulas na Unisul para os cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda e que também coordena o Grupo de Pesquisa Revitalizando Culturas, conta da época em que era padre e celebrava missas no alto da Pedra Branca. Jaci Rocha realizou as celebrações durante os anos de 1987 a 1995 e recorda da vez em que celebrou o 1º de maio, dia do trabalhador, e das celebrações que aconteciam em setembro, na primavera, com o objetivo de “fortalecer o ethos cultural para que eles pudessem ir para o verão sem perder a sua dignidade, os valores, mostrando também que a diferença é importante para o próprio turista, que quer algo diferente”. O então padre queria inspirar os trabalhadores para a temporada do verão, tradição que trouxe quando veio de Curitiba, onde celebrava missas no alto do morro Anhangava.
Hoje as trilhas que eram passagem para as peregrinações são mais acessadas por pessoas que desejam fazer a subida por iniciativa própria, já que as celebrações católicas já não ocorrem mais. Não é de se espantar que alguns tenham vontade de observar a beleza do lugar. Para Jaci, “a Pedra Branca é um ponto ótico singular, é como se a Ilha ficasse próxima de você e o planalto também. Você consegue avistar as montanhas e ao mesmo tempo o litoral, fica tudo muito junto”.
Jaci também tem uma história de defesa ao morro da Pedra Branca, quando ele foi contra um projeto turístico. “Tinha um pessoal que fazia esse movimento para transformar em turismo aquilo ali. Na verdade eu era contra essa invasão turística, ela depreda, tira a beleza natural”. Jaci conta que um prefeito de São José queria até colocar uma imagem de Nossa Senhora, em 1987, no alto do morro. “E eu dizia que não precisava, porque o grande monumento do próprio Divino já é a própria montanha. Então deixa a montanha para contemplar! E teve alguns que não gostaram, eu era padre devia estar a favor. A imagem nunca foi pra lá, ficou assim”.
Uma das visões que ele recorda e que mais marcaram sua memória com as visitas à montanha foi a vista que tinha de tantas figueiras no vale. Jaci conta que muitas dessas árvores já não existem mais. Uma delas que havia no meio de um cruzamento no bairro foi morta porque injetaram óleo queimado na árvore. “Quando ela começou a morrer, nós fizemos uma homenagem, especialmente o pessoal da Naturologia. Fomos lá, paramos a aula, fizemos uma grande roda em torno da figueira. Teve manifestos, pedindo inclusive para que isso não acontecesse com outras figueiras, tinha muitas figueiras. Isso aí marcou, porque era o Vale das Figueiras”.
Ao andarmos hoje pelo bairro, principalmente próximo à Unisul, nas áreas que passaram por uma urbanização, percebemos a pouca diversidade que há entre as árvores. São espaços extensos onde podemos ver poucas espécies de árvores se destacar, espécies inclusive que não representam a biodiversidade da região. “O plano de urbanização foi muito criticado, de repente puseram coqueiros e outras árvores, nenhuma delas frutíferas. Então foi feito o projeto de arborização, praticamente uniarborial, e tira de repente a floresta com muitos tipos de árvores, banhado e coloca árvores estranhas”. O professor conta que isso foi muito criticado e a paisagem considerada monótona, repetitiva. ”Não deixa a família das árvores viverem aqui, onde foi o berço delas, das suas ancestrais da floresta. Até parece que alguma coisa rendeu. Sobretudo aqui no riozinho, se plantou mais, se cuidou um pouco mais as margens do rio, ficou bem cuidado”.
Jaci começou a dar aula na Unisul em 1998, ano também da inauguração da universidade. O professor entrou no segundo semestre. Ele lembra que o acesso à universidade por si só já era muito difícil, a estrada era ruim e havia muito gado por causa da fazenda que existia. Quando o ônibus quebrava, as pessoas tinham que percorrer o resto do caminho a pé e os bois vinham na direção delas. Foi assim também que começou uma das primeiras reivindicações dos estudantes, melhorar a estrada. “Eu me recordo que para vir aqui, a maioria tinha que vir de carro, a prefeitura teve que agilizar o acesso, houve uma contagem de acesso de 1400 veículos que da noite para o dia começaram a circular aqui. Me recordo de tudo isso porque foram adequações que foram feitas, mas sempre pela exigência dos estudantes, é muito importante a gente recordar”.
A fazenda com bovinos também proporcionava um desconforto olfativo, pois o mau cheiro era intenso e, conforme o vento, havia também o fedor que vinha de uma granja, como relembra Jaci com bom humor. Haviam cercas impedindo passagens dependendo de onde a pessoas estivesse vindo. Jaci conta que “isso aqui era a periferia da periferia”.
O bairro Cidade Pedra Branca começou com o loteamento residencial em 1999 e foi idealizado em 2005, tendo como foco o novo urbanismo. No site criado para o bairro há uma defesa da visão de quem empreendeu para o lugar ser o que é e o que ainda está se transformando: “Uma cidade misturada, um resgate à centralidade onde as pessoas possam morar, trabalhar, estudar e se divertir num mesmo lugar. Somando-se a essa visão e ao movimento americano de certificação de prédios verdes, a Pedra Branca apaixonou-se por esse conceito e entendeu que as cidades têm um grande papel na transformação para um mundo mais sustentável. E desde então não mediu esforços para ser pioneira nessa implantação no Brasil”.
Sobre isso, Jaci, fala da expectativa com o bairro, a universidade e o município de Palhoça. “As universidades que estão plantadas hoje na Palhoça deveriam ajudá-la a ser essa cidade que tem 70% de natureza preservada. Daí vêm as águas! As águas de toda região são mantidas pela Palhoça, se ela falha como está falhando ela está prejudicando as gerações futuras”. Jaci conheceu o cardeal Lucas Moreira Neves durante seus estudos no Vaticano e conta que ele costumava dizer: “Quem não vive como pensa, acaba pensando como vive”. E pra ele é isso o que está acontecendo com Palhoça e sobretudo com o bairro que era para servir de modelo. “A expectativa sobre a cidade Pedra Branca não é uma ilha de luxo, rodeada por lixo, como tem em Frei Damião até hoje. Ele vem bem antes da Pedra Branca. Então a sociedade que se diz produtora de uma cidade modelo para o mundo, ela é um modelo do quê? E para quem? Então ela é uma cidade sobre a qual pesa a pergunta ética: Pedra Branca para quem? É o luxo e o lixo, de certa forma, é o Brasil que a gente sempre criticou”.
Para um lugar onde há uma universidade, formadora de pensadores orgânicos, como diz o sábio professor, seria de se esperar mais mudanças, mais ativismo de certa forma, mas o que há é conformismo, uma ilha sustentável rodeada por um mar de lixo. A universidade então está aí para fazer essa ligação, uma ponte, um lugar onde não só pessoas das classes mais favorecidas possam acessar. Isso ela vem quebrando, mas será o suficiente? “Se observa que a Pedra Branca está acomodada diante da Prefeitura e ela tem poder de pressão moral. Eu tenho acompanhado nesses 22 anos que esses lugares de miséria estão sempre esperneando, correndo atrás, vai na prefeitura, faz ocupação, reivindicação. Lá tem foro permanente de busca de qualidade de vida e, mesmo vivendo em uma situação dramática de convivência com o narcotráfico organizado, o pessoal das associações de moradores mantém o fôlego, das organizações de reciclagem, tudo, e mantém o padrão de reivindicação junto da prefeitura, mas quem são eles diante da prefeitura?”.